Os processos de inventário sempre foram morosos e caracterizados pela sua longa pendência, o que motivou a reforma implementada pela Lei 23/2013 de 5 de março, fruto das medidas de contenção e simplificação recomendadas pelo programa da Troika, constituindo a retirada da tramitação deste tipo de processos dos Tribunais para os Cartórios.

A reforma era promissora na medida em que se visava a retirada da tramitação dos processos de inventário para os cartórios com larga experiência em partilhas extrajudiciais e nos cálculos das tornas, criando o mecanismo da remessa aos Tribunais para as decisões ao nível das matérias de direito.

Passados cinco anos o balanço da reforma promissora em prol da celeridade e da desburocratização revela-se, diria, catastrófico: a transferência deste tipo de processo para os Cartórios não resultou na agilização da tramitação destes processos e consequente descongestionamento do sistema judicial. Ao que acresce realidades como a falta de formação, o desconhecimento da tramitação, a ausência de cartório nalgumas localidades, o défice da tutela dos menores e a ausência da redução dos custos.

Sendo nesse contexto e, precisamente, para o combater que foi aprovada a Lei 117/2019, que entrou em vigor a 1 de Janeiro de 2020, que recodifica o processo de inventário judicial no Código de Processo Civil.

Verificando-se que a transferência dos processos de inventário dos tribunais para os cartórios notariais não resultou, como se pretendia, na agilização da tramitação destes processos e consequente descongestionamento do sistema judicial, a nova Lei propõe agora que seja conferida aos interessados a possibilidade de optar pelo recurso ao Tribunal ou ao cartório notarial.

Implementa-se, assim, o princípio da competência concorrente, que torna optativa a tramitação dos inventários no notário ou nos Tribunais.

Sendo, no entanto, de competência exclusiva e obrigatória dos Tribunais sempre que constitua dependência de outro processo judicial, seja requerido pelo Ministério Público ou este entenda que o interesse do incapaz a quem a herança é deferida implica aceitação hereditária ou nos casos em que algum dos herdeiros não possa, por motivo de ausência em parte incerta ou de incapacidade de facto permanente, intervir em partilha realizada por acordo. Tutelando-se de forma jurisdicional, as situações em que estejam em causa os interesses dos menores, maiores acompanhados ou ausentes.

Nos demais casos, o processo de inventário pode correr nos Tribunais ou nos cartórios notariais, à escolha do interessado que o instaura ou mediante acordo entre todos os interessados. Não havendo acordo de todos os interessados, o requerente poderá intentar o processo no cartório, podendo depois os requeridos, que representem isolada ou conjuntamente mais de metade da herança, requerer que o processo transite para o Tribunal.

Para além disso, a nova Lei introduz a possibilidade dos interessados, que optarem por propor o processo no cartório notarial, poderem escolher qual o cartório notarial onde pretendem instaurar o inventário, desde que exista alguma conexão relevante com a partilha, como seja por exemplo a residência da maioria dos interessados. Saliente-se que a competência dos cartórios para esta valência passará a ser facultativa e condicionada a inscrição para o efeito.

Assim, a partir de 1 de Janeiro de 2020 passaram a coexistir, nosso modesto entender, três regimes jurídicos de inventário:

o Regime do Inventário Judicial – previsto nos arts.1082º a 1135º do Código Civil aplicável aos novos processos intentados nos tribunais e aos processos vigentes que transitem dos cartórios para os Tribunais;

o Regime do Inventário Notarial – previsto no Anexo à Lei 117/2019 aplicável aos novos processos intentados nos cartórios;  

e o Regime Jurídico do Processo de Inventário aplicável aos processos vigentes que prosseguirem nos cartórios – o RJPI com as alterações introduzidas da Lei 117/2019. 

Introduzindo-se alterações também ao nível da tramitação do regime de inventário judicial, da qual se destaca a criação do paradigma das duas fases: a primeira ao nível da definição das pessoas e dos bens, a segunda ao nível da atribuição dos bens às pessoas, perdendo revelo e importância o cargo de cabeça de casal. 

Ao nível dos processos pendentes a 1 de Janeiro de 2020, assistiremos à remessa obrigatória e oficiosa dos processos de inventário que tenham como interessados menores, maiores acompanhados e ausentes e à remessa facultativa no casos restantes casos, podendo esta ocorrer a pedido da maioria dos interessados ou em caso de suspensão há mais de um ano ou quando não tenham diligências úteis há mais de seis meses. 

Como balanço, não podemos deixar de transmitir a nossa apreensão pela condução legislativa de um processo que tem tanto impacto social e económico nas famílias, sendo que, claramente, a tentativa de retirada destes processos do Tribunal não foi bem sucedida, levando a que, passados cinco anos, os mesmos regressem aos Tribunais, podendo as partes optarem pelos cartórios quando estejamos perante situações que em tudo se assemelham a partilhas extrajudiciais, às quais apenas falta o acordo dos intervenientes.

 

 

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